Enfrentando o medo de bio

Spider - AranhaDesde que o homem inventou que é o centro do mundo nos distanciamos em grande medida dos outros seres que coabitam a terra. Passamos a vê-los como instrumentos para o nosso bem-estar ou empecilhos ao nosso conforto. Esquecemos que cada ser, por menor que seja, contribui para o equilíbrio da vida e representa um enorme esforço evolutivo da Terra. Eu não sou nenhuma exceção a esta regra.

Nascida e crescida na cidade, desenvolvi nestes quase trinta anos um medo enorme e irracional por pequeno seres que não enxergo e podem me picar. O medo é potencializado caso o animal, além de poder me picar, faça “ZZZZZZZZZZZZ”. É este medo que eu me refiro como medo de bio, o medo das demais vidas.

Fearful look - Insects nearby?Como sofro deste medo, o final de semana na fazenda Flor de Café, produtora de café orgânico, foi um grande desafio. A agricultura orgânica se fundamenta no princípio de que vivemos na natureza e não da natureza. Deste princípio, deriva a idéia de que os outros seres vivos, animais ou vegetais, quando em equilíbrio, beneficiam a lavoura em vez de causar-lhe danos. Por isto, a agricultura orgânica não se utiliza de agrotóxicos ou outros pesticidas, aumentando comprovadamente a massa orgânica: há mais vida e mais tipos de vidas.

Isto ficou muito claro desde de o primeiro momento que chegamos a fazenda.  Assim que descemos do carro em direção ao quarto onde dormiríamos, olho para o chão e vejo, nada mais, nada menos do que um escorpião “grande assim oh!” Jesus, que susto! Não sabíamos bem o que fazer. Brígida, a dona da fazenda, tentava disfarçar seu medo e explicou: _ “Se encontro um escorpião no meio do mato eu o deixo vivo, mas assim, tão perto de casa, acho prudente matá-lo.” E assim foi, Stephan se armou com meu tênis de corrida e mandou o escorpião desta para melhor.

Em seguida, deixamos as mochilas no quarto e fomos para cozinha. Enquanto picávamos cebolas, ralávamos cenouras, escutamos o canto de um sapo. Parece que ele também estava faminto… mas não havia suficiente comida para todos nós. Sua sorte foi, contudo, melhor do que a do escorpião, foi convidado a sair da cozinha a toque de pau de vassoura.

Caterpillar - LagartaBeatle/ BesouroHornets/ Marimbondo

A noite passou tranqüila, provavelmente porque estávamos sob a proteção de um cortinado. Talvez por isto, tenha acordado com disposição silvestre. Da cozinha da fazenda é possível ver os pés de mangas. São vários e estavam todos carregados. Como estávamos preparando o café da manhã, me ofereci para buscar as mangas no pé.

Eis que, enquanto curtia minha primeira colheita, avistei, meio que sem querer, uma colméia de abelhas. A colméia não era grande e não havia abelhas, mas a imagem foi o suficiente para me deixar apavorada. Tentei seguir o meu trabalho, mas o assombro me permitiu colher apenas 3 mangas. Confesso que uma delas recolhi do chão.

Depois do café da manhã seguimos para conhecer uma das nascentes de água da fazenda. O famoso lugar onde Brígida escutou a mensagem do riacho. Sentados em frente desta água, Brígida nos comentou que perto de onde estávamos viviam algumas aranhas caranguejeiras e cobras d’água.

Lizard/ LagartoE como estes houve vários outros exemplos. Em ambos os banheiros da casa, os marimbondos construíam casas. A árvore de pimenta malagueta servia de casa para algumas aranhas de coloração amarelada e escutamos “ZZZZZZ” para todo o lado, enquanto subíamos a Serra da Tromba.

Foi interessante que enquanto escutávamos as águas, falávamos da necessidade do ser humano se reconectar à terra e entender que a vida como um todo, e não somente a vida dos homens é importante. Refletindo sobre isto e reconhecendo o grande medo que sentia dessas engenhosas manifestações de vida que são os pequenos insetos e invertebrados, percebi que havia em mim uma grande contradição, o desejo de me reconectar a vida e o enorme medo que sinto dela.

Decidi que o fim de semana na fazenda seria um primeiro passo para enfrentar o medo do bio. Esta decisão foi fortemente testada quando fomos à horta colher nosso almoço: mandioca, cenoura, alface, tomate, maracujá açu e manga. Havia imaginado este momento como uma página de um livro de romance, era a primeira vez na vida que colhia o que ia comer!

De fato foi uma experiência maravilhosa, mas não sem desafios. Entre Brígida, Stephan e eu, devo confessar que eu era a mais inútil. A cada “ZZZZZZZZ” tinha o reflexo de sair correndo. De fato o fiz, quando ouvimos um enxame de abelha se aproximando. Por sorte fui rápida, porque agi exatamente como não deveria, nestes casos a recomendação é ficar o mais parado possível.

É verdade porém, que apesar de todos estes encontros e desencontros com invertebrados, testemunhei durante este fim de semana na fazenda, o papel indispensável que cada um ocupa no ecossistema. Quando matamos o escorpião pensei: _ “devemos tirá-lo dai para não atrair outros”. Que ingenuidade a minha! Depois de meia hora, quando passamos pelo mesmo caminho, o escorpião não estava mais lá. As formigas já o tinham levado para o ninho.

Brígida nos explicou que além de faxineira da natureza, as formigas também tem a função de abrir buracos no solo, de modo a facilitar a entrada de ar e água, ingredientes indispensáveis para a sobrevivência de diversos organismos vivos.

Jararaca/ Poisonous SnakeDe modo similar, os marimbondo são grandes amigos dos produtores de café. Eles são predadores de um pequeno animal chamado bicho mineiro (lecucoptera coffeella) que é uma praga para o café. Certa ocasião, quando todos os outros fazendeiros da região tiveram problemas com esta praga, a safra de Brígida saiu ilesa. Como não utilizava agrotóxicos, os marimbondos de sua fazenda seguiam vivos e mantiveram o equilíbrio natural não deixando que a praga se espalhasse por suas plantações.

As aranhas e sapos, ao se alimentarem de insetos diversos, também são importantes agentes equilibradores. Segundo Brígida, os sapos não são grandes amigos na cozinha, mas são indispensáveis na horta, pois se alimentam do bicho de goiaba, de manga entre outros. As aranhas também servem para ajudar na previsão do tempo. Quando se movimentam muito, é indício de que tem chuva chegando!

Por isto é que acho importante enfrentar o bio medo e defender a vida destes seres, respeitando limites e reconhecendo que às vezes há perigos. É fácil esquecer na vida da cidade grande, onde a comida vem do supermercado, a água da torneira e a energia da tomada, que cada um deles tem uma função vital para nossa própria vida.

Escutei recentemente em uma palestra que se todos os insetos morressem, a vida na Terra acabaria em 50 anos, e que se todos os seres humanos morressem, a vida na Terra floresceria. Tenho esperanças que se aprendermos a respeitar mais o que estes seres representam para nossa vida e não temê-los a ponto de exterminarmos milhões deles todos os dias, podemos mudar esta previsão! Estamos tentando fazer a nossa parte!

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3 comments to Enfrentando o medo de bio

  • Brígida

    Nanda e como foi a caminhada pelo Parque Nacional da Chapada? Encontrou muitos insetos? Já se acostumou mais? Vamos pouco a pouco superando nossos medos e compreendendo a função de cada ser, não é mesmo? Beios com saudades, para o Stephan também

  • AndreaFarneziVelloso

    Fernanda, aprendi com meu avô, Geraldo Alcântara Veloso, desde pequena, vivendo em ambiente com água natural, luz de lampião e animais, um sítio em Furnas, que aquilo que parece perigoso é natural ,é certo; errado é o homem invadir esse espaço natural e matá-los.
    bio-tudo faz parte da cadeia alimentar , tudo o que vive há explicação.
    assim veja-os como seus amigos…você e qualquer imagem humana tb. os assusta.
    pode ser a pessoa mais linda do mundo!
    beijos.
    AndreaFV

  • Oi Deia, eh isso mesmo, voce tem toda a razao! bjs

Translation support - Suporte nas traduções: Manuela Sampaio