Parece mentira que deixamos a rodoviária de Belo Horizonte/MG apenas no dia 01.02. Durante estas poucas andanças, já conhecemos tantas pessoas e cenários especiais, que parece impossível que tudo se passou em apenas 5 dias.
Escrevo de Piatã/BA. Fizemos uma pequena mudanças nos planos para adaptar a nossa agenda à disponibilidade do guia João, muito recomendado por amigos, para fazer as travessias que queríamos dentro do parque nacional da Chapada Diamantina. Uma tia de uma amiga em Belo Horizonte tem uma fazenda de café orgânico na região da Chapada. Ficamos curiosos e felizmente ela aceitou nos receber. Foi assim que conhecemos Brígida, uma mineira, mãe de um filho bem criado, prestes a ser avó e agricultora de café orgânico.
Entre conversas com Brígida e observando a paisagem, descobrimos que Piatã é parte da região do Rio das Contas. O desenvolvimento desta reunião foi impulsionado pelo descoberta do ouro no século XVII. A exploração do ouro se deu por aproximadamente 100 anos e foi abandonada devido ao fim das jazidas de ouro e a descoberta de diamantes em outras áreas da Chapada.
Piatã é hoje um pequeno município que vive principalmente de agricultura, em especial da produção de café. Foi dessas terras que saiu o melhor café do Brasil em 2009. Suas serras contudo são ricas em minério de ferro, e nos últimos anos houve um aumento da exploração deste mineral que no futuro poderá comprometer o cenário que hoje nos deixou deslumbrados. Ao redor de fazendas de café, reinam absolutas várias Serras, entre elas a Serra da Tromba e Serra do Santana. Felizmente a Serra da Tromba foi recentemente declarada área de relevante interesse ecológico.
Porém, mais além da beleza do lugar, encontramos em Brígida a melhor razão para justificar nossa visita a Piatã. Dona de grande beleza humana, nossas conversas encheram nossos corações de alegria. A princípio pensávamos que os exemplos que descreveríamos neste site, seriam principalmente de ONGs, empresas, projetos, etc.. Durante estes primeiros cinco dias, porém, ficou claro para nós que por detrás de grandes projetos e idéias, estão pessoas, de carne e osso que tiveram muita motivação para tomar decisões, por vezes, pouco tradicionais.
Brígida sem duvida é uma delas. Antes de chegar a Piatã, trabalhou por 12 anos em uma grande empresa extrativista brasileira em Salvador. Conforme nos contou, seu salário era suficiente para trocar de carro todos os anos, pagar a melhor escola de Salvador para seu filho entre vários outros confortos.
Várias razões; pessoais, ideológicas, busca de uma melhor qualidade de vida e concientização ambiental levou-a a modificar sua vida. Aceitou um plano de demissão voluntária da empresa e decidiu montar um pousada em Piatã.
Quando perguntamos porque Piatã, ela nos contou que, uma vez, ainda quando vivia em Salvador, veio celebrar uma festa de São João por aqui e se apaixonou pela cidade. A mais alta cidade da Bahia (cerca de 1.260m de altitude), a temperatura é agradável e acredite se quiser, é possível inclusive, dormir de cobertor!
Sua idéia inicial era montar uma pousada, uma espécie de sítio pequeno e próximo ao centro de Piatã. Esta idéia encontrou dois grandes desafios. O primeiro foi a falta de uma propriedade com as características que ela buscava para comprar. O segundo foi uma resistência local à atividade do turismo. Os moradores locais temiam que ocorressem com eles algo similar ao que ocorreu com os moradores nativos de Lençóis. A explosão do turismo não veio acompanhada de uma qualificação similar da mão de obra da própria região. Como conseqüência a mão de obra qualificada veio de fora da região e o trabalho manual e menos qualificado ficou para os antigos moradores.
Foi assim que, um certo dia, enquanto procurava um lugar para montar sua pousada, um fazendeiro da região, produtor de café informou-lhe que sua fazenda estava à venda e convidou-a para uma visita sem compromissos para ver se lhe interessava. Relutante, ela lhe informou que estava procurando um terreno pequeno, próximo a cidade, pois gostaria de abrir uma pousada e precisava de um local com fácil acesso. Mesmo assim ela decidiu visitar esta fazenda, afinal de contas, falava-se na cidade que havia até uma cachoeira dentro da propriedade.
Desde o primeiro momento, Brígida se encantou pelo local, mas foi a cachoeira que lhe fez ficar. Quando o proprietário foi com ela até a queda d’água ela sentiu que tinha que nadar ali. Como não havia trazido biquíni, pediu ao proprietário que por favor se distanciasse. Sozinha naquela cachoeira, sentiu a natureza ao redor e as águas lhe sussurraram ao pé do ouvido:_ “é sua função cuidar das águas destes rios.”
Ela que nunca fora mística e que, no máximo, acreditava em Deus, vestiu-se o mais rápido que pôde e saiu logo dali.
Chegando a cidade o fazendeiro lhe perguntou:
_ Gostou da propriedade?
_ Tudo muito lindo, maravilhoso, mas acho que não tenho o suficiente para lhe pagar. Quanto está pedindo por sua fazenda?
O preço era mais do que ela podia pagar, então lhe disse:
_ Como falei antes, estou buscando um sítio pequeno perto da cidade, não tenho todo este dinheiro.
O fazendeiro perguntou a Brígida:
_ E quanto você tem?
E Brígida lhe diz:
_ Um terço do que você me pede.
O fazendeiro volta a perguntar:
_ Em dinheiro?
Brígida:
_ Pois sim, o dinheiro está no banco.
Fazendeiro:
_ Perfeito, amanhã cedo vamos ao cartório, você me paga e lhe transmito a propriedade”.
Foi assim, que como em um passe de mágica, Brígida triplicou seu patrimônio. O fazendeiro também era comerciante e naquele momento precisava de liquidez.
Após alguns meses inaugurou sua pousada, que em suas palavras era mesmo um hostel. Simples e descontraída, buscava desenvolver um pouco do turismo rural na cidade. Batizou-a de Fazenda Flor de Café.
A resistência da população ao negócio do turismo acabou por prejudicar suas atividades e ela decidiu cuidar da fazenda. Filha de cidade grande, não sabia bem como fazê-lo. Fez alguns cursos, aprendeu com os vizinhos, e porque se apaixonou, não teve dificuldade em aprender como funcionava a terra.
Decidiu, contudo, produzir de forma diferente do antigo proprietário, optou pelo café orgânico. Perguntamos qual havia sido sua motivação para produzir café orgânico. Sua resposta foi fascinante. Por volta do início da década de 90, em seguida a Rio92, o movimento ecológico despertou a consciência da população e das empresas para a preservação ecológica. Nesta mesma época, ficou comprovado que a indústria extrativista no litoral bahiano acabara por causar grandes danos ambientais à região. Como resposta, as empresas decidiram desenvolver projetos de recuperação da área.
Trabalhando como bibliotecária, Brígida teve acesso a documentação e discussões sobre o tema. Em suas palavras, ela tomou consciência. A atividade da empresa onde trabalhava poderia ser extremamente danosa ao nosso ecossistema e para recuperá-lo, era necessário muitos recursos e muito tempo, às vezes indisponíveis. Porque tinha consciência, decidiu que sua produção deveria ser também consciente, assim a opção pelo café orgânico acabou sendo a natural.
Duas teses de mestrado já foram escritas com base nas atividades de sua fazenda. Uma delas comparava os insetos existentes em sua fazenda, com aqueles existentes em uma fazenda produtora de café com uso de agrotóxicos. A segunda tese analisava a qualidade do solo e suas características. Ambas as teses indicaram que a produção orgânica era mais favorável a vida. Ela nos confessou que se sentiu aliviada com os resultados, pois ao permitir estes estudos sentiu um pequeno frio na barriga: “quem sabe se os resultados me dizem que o que estou fazendo não faz diferença?”
Perguntamo-lhe sobre o processo de certificação orgânica e suas dificuldades. Ela nos relatou que devido a ação conjunta entre diversos produtores de café da região, o processo acabou sendo mais simples e mais barato do que imaginado anteriormente. A cooperação com outros fazendeiros e moradores da região se mostrou também essencial para outras conquistas. Foi trabalhando em conjunto que conseguiram energia solar para propriedades rurais da região e é através de uma cooperativa que promovem e viabilizam a produção orgânica de café.
A vida na fazenda não é um mar de rosas, nos adverte Brígida. Por vezes sinto falta de atividades culturais e estimulo intelectual. Este foi minimizado desde que Brígida entrou para o programa WWOOF (World Wide Opportunity Organic Farms) há dois anos. Voluntários de todo o mundo vem a fazenda por um mínimo de 1 mês ajudá-la no trabalho do dia a dia em troca de alimentação, estádia, paisagem paradisíaca e excelente conversas. Quanto às atividades culturais, o cinema, uma grande paixão, passou a ser uma paixão platônica pois não há salas de cinema na região da Chapada Diamantina.
Outro desafio é que nem sempre o negócio de café vai bem e quando isto ocorre, ela tem que buscar outras atividades. Sua educação e experiências anteriores, lhe permitiram realizar trabalhos diversos na cidade fora da fazenda. Professora escolar, coordenadora de projetos em uma ONG, entre outros…
Depois de 12 anos neste ciclo ela percebeu que o tempo e energia gastos em atividades paralelas são também úteis para desenvolver os negócios e aprimorar o cultivo do café orgânico. Os 12 anos não são coincidência, sua vida parece mesmo que desenvolve em ciclos de 12… 12 anos trabalhando em Salvador, 12 anos em Piatã e agora o início da despersonalização de seu sonho de desenvolver um cultivo sustentável através de uma fundação.
Com a fundação ela busca desenvolver atividades científicas de modo a fundamentar, desenvolver e difundir novas técnicas agroecológicas. Desta maneira ela estará cumprindo sua missão de guardiã das águas, pois para proteger as águas do rio, ela entendeu que é preciso manter vivo e em harmonia todo o ecossistema ao seu redor. Desde que chegou a fazenda, não apenas seguem vivas as águas de quando começou, mas várias novas nascentes brotaram!
A Fazenda Flor do Café não tem só café… o pomar tem manga, maracujá, carambola, jaca, mandioca, pimenta, batata, batata doce, banana, alface, tomate, couve, etc. etc. etc.. Enquanto conversávamos, saboreávamos um cuzcus improvisado, com ingrediente variados da fazenda e um pequeno toque alemão. E enquanto jantávamos, nos deliciávamos não apenas com a comida, mas também com a redescoberta do prazer de comer as coisas diretamente da terra.
Para selar esta noite de aprendizado profundo, tomamos o café da fazenda: um café delicioso, com um aroma suave e naturalmente doce… Foi a primeira vez que tomamos um café colhido e torrado ali mesmo… que emoção!
Nanda, emocionante o relato sobre essa incrível experiência a minha tia, agora aumentou mais ainda minha vontade de conhecer esse sonho dela!
Nanda,
Fico feliz por esse encontro providencial entre vocês dois e minha irnmã Brígida, uma idealista que faz!
Conheço a região e sei que é belíssima. Pena que tão longe não tenho muitas oportunidades para ir visitá-la! Vocês estão de parabéns pela audácia e empenho a que se propõem em descobrir novos veios e novas terras e recantos desses Brasis!
Abraços
Maria Inez
Nanda e Stephan,
Obrigada pela oportunidade que voces me deram de contar minha história…estou emocionada com o texto, beijos e boas caminhadas…
Lindo relato !
Estou contente que a minha tia tenha recebido um registro escrito da sua trajetória.
Isto contribui para outras pessoas se inspirarem!
Queridas Manu, Maria Inez e Carol, ficamos muito felizes por vocês terem gostado do post. Nós só transcrevemos, sem tirar nem por, o que a Brigida nos contou.
Querida Brígida, nós somos muito gratos por você nos ter permitido te conhecer tão de perto. Você uma inspiração para nós! Um grande abraço, Fernanda e Stephan
adorei a história de Brígida , o desenrolar da vida das pessoas é curioso e emocionante.
vi ousadia, coragem e humildade.
parabéns a Brígida e a vocês de poderem encontrar um veio inicial para os caminhos e destinos dos ideais de sustentabilidade .
adorei a história de Brígida , o desenrolar da vida das pessoas é curioso e emocionante.
vi ousadia, coragem e humildade.
parabéns a Brígida e a vocês de poderem encontrar um veio inicial para os caminhos e destinos dos ideais de sustentabilidade .
Brígida é uma grande empreendedora que está produzindo cafés disputados nos mercados de todo o mundo. É o fruto de um trabalho sério.